terça-feira, 30 de agosto de 2011

A Morte de Lear


Acredito eu que o medo é o sentimento que mais impulsiona o ser humano. Uma criança ao temer, ou corre ou luta. Um religioso, no medo, ora. Um cético ensaia ideias para driblar seus sentimentos e imagens criadas por este mesmo sentimento.

Outros poderão dizer que não; ao contrário, o medo trava as atitudes do ser humano. E a surpresa está aqui: Também concordo!

Como? Cometendo o erro simples de dizer opostos em afirmações, crendo na validade das duas?

Sim. Pois um não refuta o outro, apesar das impressões. Quando um ser humano trava ao menor aparecimento do medo a porta da existência se abre, e assim a sentença está proferida: És condenado a liberdade! (como diria o mestre Sartre). És condenado a exercer sua liberdade, escolhendo ou negando escolher (e isso já é uma escolha). Temos então o grande propulsor das atividades humanas: O medo.

Toda essa introdução para analisar os presságios que como relâmpagos abrem faixos de luz em minha mente. E presságios que nos impõe o sentimento do medo, vêm acompanhado, como disse antes, de esquemas lógicos para driblar o temível. Os presságios são as frases que brotam de cada encontro teatral nestas últimas semanas. E os esquemas para driblar tais presságios são os argumentos que exponho nestes encontros, e como não são o suficiente, caso tentasse um pouco mais me tornaria enfadonho (como se não estivesse sendo agora!), exponho neste espaço meus argumentos, não a fim de alterar os planos, e sim para expurgar minhas angustias e o tão aterrorizante Medo.

AQUILO QUE É IMORTAL

Poucos seres humanos têm a capacidade de tornarem-se imortais. Aqui escrevo destituído de crenças míticas, sendo o mais cético possível. Os que transpõe a barreira da vida são os nobres que em vida dedicaram-se a falar do Homem, conversar com o Homem, ser Homem em sua completude.

Shakespeare foi um destes bravos, que viveu longe de sua família por léguas de distância para mostrar ao Mundo, quem sabe o Universo, rompendo com a barreira do Tempo, o Ser Humano.

Creio que tudo que escreveu não passou de uma “brincadeira”: entre uma olhada da janela para ver os meninos brincando e uma olhada na janela da vizinha seminua do cortiço onde morava, escrevia um verso; Entre a lembrança da mulher um poema; E entre a lembrança dos filhos e a dor de não poder tê-los por perto um solilóquio de uma personagem complexa.

Assim, o inglês se tornou um dos mais brilhantes seres humanos da história desta velha e desgastada humanidade.

“Velha e desgastada!” Eis o respeito que imputo a minha espécie. Uma espécie capaz de vilanidades, mas capaz de construir o mundo e fazer com que ele exista, dentro de uma reflexão hegeliana. E Lear, ou melhor, o Rei Lear, é uma destas obras que tem como caráter a discussão deste modo de falar dos ditos contemporâneos.

Lear é apenas um velho desgastado, ou talvez seja a humanidade inteira. Essas são questões que não proponho discutir aqui, mas sim as coisas que são imortais. Lear é imortal. E é do modo que é. Caso deixe de ser não será mais imortal e sim um objeto simplesmente, uma história ou estória, como queiram… Porém Lear, ao meu ver, deve ser encarado como uma Fábula. E que bela fábula meus caros!

A obra de outra forma perde validade, não há porquê teatralizar Shakespeare, muito menos o grande Rei Lear. A obra passa a ser taxada dentro de um tempo. Este tempo dito pós-moderno, que gosta de predicar tudo, onde teatro não pode ser teatro. Tem de ser Teatro Contemporâneo. Abrem-se as portas da oficina para o experimentalismo. E de lá o que sai? Deformações…

O MITO E SEU TEMPO

Poderão me condenar caros leitores em estar mitificando a obra shakespeariana. Sinto-lhes informar que ela já é um mito. Escrevo estas palavras tentando relembrá-los que o mito se faz com o tempo e ao mesmo tempo rompe com este se imortalizando.

Não estou dizendo que o mito tem de ficar ali, no papel, ao contrário, Rei Lear é teatro e teatro não é papel, é Ação. Devemos mais do que nunca tirar as personagens da poeira da estante para que eles possam caminhar livres por aí. Eu quero muito banhar-me com Lear naquela louca tempestade e junto dele expurgar as angustias do meu mundo, da minha vida humana trágica. Assim como quero ter poder junto de Edmund. Conhecer o lado miserável da vida quando se perde um título antes de seu nome, tal qual Edgar. Quero amar como Cordélia, e ao mesmo tempo espalhar meu orgulho aos ouvidos dos outros.

Mas os presságios me sinalizam que ao final do ato Lear morre. Não no final do Ato da peça de Shakespeare, e sim no ato de dar-lhe um predicado “Lear contemporâneo”.

O Homem desde sua primeira investida em forma de humano buscou o Um. Buscou dentro de Uma historieta falar sobre todos os Homens, na figura de Um Homem. Esta é a grande invenção humana: O Mito.

EU, UM HOMEM CONTEMPORÂNEO

Agora sim, posso respirar a chuva que lá fora cai. Posso também ouvir Lear se banhando enquanto se liberta das amarrar de sua dor, do seu impulsionador vital, o medo. E este meu medo agora pode dizer-me adeus, pois sinto-me preparado para matar Lear quando este velho aparecer na minha frente.

Não quero aqui deixar o temor nos corações dos colegas, mesmo sabendo que este é propulsor da existência, (e como é bom ouvir o coração acelerando), quero apenas expurgar minha angustia. Poderia simplesmente sair na chuva, ali fora, e gritar, bailar e cantar, mas preferi fazer chover letras na tela, dançar argumentos nas frases e cantar o meu medo de matar Lear, o meu medo de trancá-lo na cela da contemporaneidade.

Mas me disseram que posso matar Lear. Então o farei. Porém, ao término, escondam o punhal...

Filipe Rossi, um contemporaneo de Lear, Um Velho.

4 comentários:

  1. Lear não morrerá! Essa é a boa nova. E nem seremos nós (desta vez) que iremos matá-lo. Pelo contrário, o Lear do Shakespeare estará mais vivo do que nunca e, para esse re-nascer é preciso nos imprimir como homens e como artistas na obra. Esse sim é o trabalho árduo, o trabalho de quem quer ser digno de subir num palco. O nosso medo coletivo é benvindo! Vem Medo! Desde que ele não venha acompanhado e nos ate, nos cegue, nos broche. O mito serve para devorarmos - no dizer do Zé Celso. Então, vamos devorar o Mostro. D-E-V-O-R-A-R. Queridos, guardem essa imagem! Ela será muito útil.

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  2. Muito bonito seu texto, Filipe. Ao descrever as sensações que te inquietam contribui com o nosso pensar. Agora, vamos resolver nossos conflitos em cena, na ação.

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  3. Não Isa ele criou o Pillates!

    ahHUAHhahuuHAUhauHAUhauHAUhauHU

    Piada tipo praça é nossa...

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